Reconhecimento
Em nome do afeto
No papel de pai há aproximadamente dez anos, padrasto registra os dois enteados como seus filhos; meninos agora têm dois pais e uma mãe
Paulo Rossi -
O presente de Natal na casa onde vivem Carina, 37, e Saulo Raubach, 33, chegou mais cedo este ano: agora, ele é legalmente pai dos dois filhos dela. Na vida dos meninos, o funcionário público cumpre o papel há cerca de dez anos. Contudo, por não possuir autonomia conferida por lei sobre as crianças, o casal recorreu à Justiça solicitando que o nome do padrasto constasse na documentação dos pequenos - junto ao nome do pai biológico. Com a mudança, os meninos passaram a ter dois pais e uma mãe.
À época que Gabriel tinha dois anos de idade e João Pedro oito meses de vida, Carina ficou viúva - seu companheiro, com quem teve os dois filhos, não resistiu aos ferimentos causados por um acidente em casa, e morreu. Tempo depois, Saulo embarcou na vida do trio e, aos poucos, tornou-se referência de figura paterna a eles. Por aqui, a família só aumenta. "Inclusive a família do pai dos guris acolheu o Saulo como um filho", lembra Carina.
Desde então, ele divide igualmente a responsabilidade pela criação dos filhos. Tanto Gabriel quanto João Pedro, hoje com 12 e 10 anos, respectivamente, chamam Saulo de pai. "Eles sabem que têm dois pais, um aqui e outro no céu", Saulo frisa. No colégio onde estudam, entre professores, colegas e amigos, o padrasto também é tido como pai da dupla, mesmo sem seu sobrenome na matrícula de ambos. "Todo mundo me trata como pai dos guris, é muito tranquilo. A nossa relação é de pai e filhos".
Entretanto, a burocracia para incluí-los em planos de saúde, por exemplo, já barrou as crianças de benefícios assim por não serem registradas como Raubach. "Teve também uma viagem que a Carina não foi, pediram os documentos deles e quase tivemos problemas sérios em função disso. Então, acho que agora a gente só tem a ganhar", sorri o, oficialmente, pai.
Apesar de a lógica apontar para o registro, o casal conversou com os filhos antes de entrar com a ação judicial. "Perguntamos pra eles se queriam, e os dois disseram na hora 'eu quero!'", conta a mãe. Em sala de aula, a novidade já se espalhou: "Meus colegas começaram a rir de mim, porque fiquei com o sobrenome enorme", diverte-se o primogênito. Já o mais novo está preocupado em como será chamado pelos colegas: enquanto Gabriel é conhecido pelo sobrenome do pai biológico no colégio, João Pedro é chamado pelo diminutivo do mesmo sobrenome, por ser caçula. "Ele é o Pretzel e eu sou o mini Pretzel", conta João Pedro.
Advogada, Carina alega que não houve demora no processo para acrescentar o sobrenome do marido na documentação dos filhos. "Não é uma situação rotineira o padrasto querer registrar os enteados como filhos, até por que não é possível 'desregistrar' uma criança. Se a gente se separar, por exemplo, o vínculo entre eles dura a vida toda", ela destaca.
Como ficam os nomes?
Assim como a família, a partir de então, o sobrenome de Gabriel e de João Pedro também exige fôlego: de Azevedo Ferreira Pretzel Raubach.
Pai Presente
O reconhecimento de Saulo como pai de Gabriel e João Pedro foi realizado por meio do programa Pai Presente, coordenado pela Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), com decisão do juiz Marcelo Malizia Cabral. O projeto funciona como uma campanha de reconhecimento voluntário de paternidade, com objetivo de reduzir o quantitativo de cidadãos que não possuem o nome do pai no registro de nascimento. Conforme os dados do Censo Escolar de 2012, cerca de 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento.
O caso de Saulo, Gabriel e João Pedro diverge da maioria, mas também se encaixa na proposta da CNG. A partir de então, os meninos passam a ter dois pais e uma mãe. "Com a gente é tudo diferente: somos casados com comunhão universal de bens", diverte-se a mãe dos meninos. Ou seja, em caso de divórcio, todos os bens acumulados pelo casal desde o início de suas vidas devem ser divididos entre eles.
Questionados se pretendem aumentar a família, marido e mulher sorriem, porém, sem afirmar se sim ou não. Entre brincadeiras, ela revela: "Acho que pra fechar com chave de ouro poderíamos ter uma menina. Os guris até querem… Mas não sabemos, tem também a parte financeira envolvida, é complicado". Por enquanto, a família deve seguir acompanhada do trio de quatro patas: os cães Killer e Naruto, e Lana, a hamster. De convencional, eles só têm o amor.
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